Quando a Vela Contra-Ataca – Capítulo 18 – O Ducado Está Suspeito (4)

“Você vai entrar no castelo do Lorde Sarnez hoje, certo?”

O jovem rapaz silenciosamente assentiu com a cabeça para minha pergunta.

Sadie, que entrou no meu quarto tão silenciosamente como havia feito da primeira vez, estava encarando o panda vermelho que andava em volta do armário de carvalho.

Lentamente liberei meu éter para o menino, usando meu círculo enquanto fazia mais perguntas.

“Não seria ruim se você fosse pego? O que eu deveria pensar se você nunca mais voltar a partir de amanhã?”

Isso fez com que Sadie finalmente olhasse para mim.

Seus olhos cor de laranja brilhavam confiantes.

“Não terei mais motivos para vê-lo a partir de amanhã se as bestas divinas detectarem o item divino no Castelo do Lorde.”

“E eu estou perguntando se isso será fácil.”

Eu o importunei um pouco.

Esse garoto não parecia ter medo de ser pego pelos soldados do Duque Sarnez ou de ser atacado e morto enquanto se aproximava do Castelo do Lorde.

Para ser mais específico, ele estava agindo como se soubesse que algo assim não aconteceria.

“Sua Majestade disse que pediria para um sacerdote vir. A Vice Capitã Élisabeth me contou sobre isso. Você não pode simplesmente pedir para essa pessoa fazer isso?”

“……Foi assim que a Vice Capitã da Guarda Real lhe explicou?”

O menino franziu os olhos. Escolhi minhas palavras com cuidado, pois parecia que eu estava sendo interrogado.

“Perguntei se esse era o plano e ela disse que sim.”

Sadie bufou.

Olhei para o panda vermelho em cima do armário em vez de dizer mais alguma coisa, já que o garoto não disse nada e parecia inflexível em prosseguir com seu plano.

Ofereci-lhe um pedaço de toranja descascada, e o nariz do pequeno se contraiu antes dele descer lentamente até o tapete.

– Squeal!

“Bom.”

A cauda do panda vermelho parecia tão fofa quanto um cachorro-quente quando se aproximou de mim.

O panda vermelho cheirou a toranja antes de colocá-la toda na boca e começar a mastigar.

Ele pareceu gostar do sabor levemente azedo.

Não pude deixar de rir quando ele fez uma crista de galo [1] do tamanho de um dedo crescer sob suas patas.

“……O que diabos você fez com ela?”

Sadie me fez essa pergunta enquanto eu ria do panda vermelho.

Eu não entendi o que ele quis dizer e só consegui fazer contato visual com ele.

Seus olhos, visíveis sob suas grossas sobrancelhas pretas como carvão, pareciam um pouco ansiosos.

“Bestas divinas não comem comida. Elas devem se satisfazer com éter.”

‘Ah…… É mesmo?’

“Eu não sei. Eu ofereci um pouco e ele comeu.”

Eu respondi honestamente.

Olhei novamente para a pequena besta divina e ela estava focada apenas na toranja, sem nenhum interesse na nossa conversa.

“Tenho certeza que nem todas as bestas divinas são iguais. Esse carinha parece gostar de comer.”

“……”

“Talvez tenha sido por isso que ele estava acordado no meio do dia enquanto os outros dormiam?”

Que outro motivo poderia haver além da fome, já que ele foi o único a acordar apesar de ter sido selado por éter do mesmo jeito que os outros?

Além disso, ouvi dizer que esse carinha era o menor das três bestas divinas.

Era possível que ele tenha comido menos éter porque foi empurrado para o lado pelos outros dois.

O panda vermelho, depois de terminar a fatia de toranja, colocou a cabeça na minha palma e mexeu os bigodes.

Era óbvio que ele estava pedindo mais.

“Sadie, você quer um pouco também?”

O menino simplesmente me ignorou.

Essa não era minha primeira vez lidando com a personalidade terrível desse cara, então eu apenas dei mais algumas fatias de toranja para o panda vermelho.

Demorou cerca de dez minutos para Sadie se encher do meu éter e o panda vermelho encher sua barriga de frutas.

“O que você vai fazer se esses carinhas não conseguirem detectar o item divino mesmo quando você chegar perto do Castelo do Lorde?”

“Então precisarei ouvir a explicação do duque.”

Ele parecia preparado para uma situação em que o item divino, a Bênção do Mar Azul, não estaria no Ducado de Sarnez.

O olhar do garoto era severo.

Sadie emitia uma sensação de autoridade que era rara de ver em outras crianças da sua idade.

Seu comportamento e tom, que pareciam saídos de uma novel, davam a impressão de que ele era um jovem e precioso jovem mestre de uma família importante.

“É hora de ir.”

Pedrinhas douradas, menores que o tamanho da unha do meu dedo mindinho, começaram a flutuar do corpo do menino.

Essas esferas de éter flutuando pareciam mágicas, não importa quantas vezes eu as visse.

Sadie sempre se levantava quando elas apareciam, como se estivesse tirando o carregador de um celular totalmente carregado.

“Espero que corra tudo bem e que não tenhamos mais motivos para nos vermos.”

Eu disse isso enquanto seguia o garoto em direção à sacada.

Seria bom se uma criança dessas não tivesse motivos para andar por aí tão tarde da noite.

Sadie vestiu um manto grande e pulou facilmente para o topo da borda.

O panda vermelho que estava abanando as orelhas parecia também ter percebido que era hora de ir e se moveu lentamente em nossa direção.

“……Você não vai ao Baile da Primavera?”

“É, estarei ocupado recebendo confissões. Mas Sua Majestade ainda me enviou um convite.”

Sorri e esfreguei gentilmente a área entre as orelhas do panda vermelho.

Sadie olhou para mim por um momento antes de levantar o braço esquerdo no ar.

‘Isso significa que essa criança também estará no Baile da Primavera?’

– Snap!

Ele estalou os dedos, gerando uma pequena chama.

Meus pensamentos evaporaram instantaneamente devido ao choque.

Levantei a cabeça e olhei para a ponta da mão do menino.

“Você……”

Uma chama do tamanho de um punho, da mesma cor laranja dos olhos do garoto, crepitava entre seu polegar e seu indicador.

Essa foi a primeira vez que pude ver a habilidade de Sadie.

Também pode ser minha última vez.

Fiquei sem palavras, olhando para aquela linda chama que iluminava a escuridão, e só continuei ali parado.

– Pruuuuuuuuu

O panda vermelho foi o primeiro a responder à chama.

Ele se levantou sobre as patas traseiras antes de agarrar a borda da sacada com as duas patas dianteiras.

Um galho de árvore bem grosso foi criado a partir das pontas de suas patas, apesar de não ter recebido nenhuma ordem de Sadie.

‘Acho que é isso que ele quis dizer quando disse que seu atributo era compatível com as bestas divinas.’

“O atributo fogo é mais forte que o atributo terra?”

“Como você pode ver.”

O menino pareceu divertido, mesmo que só fosse bem pouco.

Não pude dizer se ele estava feliz por ser mais forte que o panda vermelho ou se ele simplesmente gostava de usar sua habilidade.

“Então.”

– Pruuuu!

Sadie pulou da sacada antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa.

A chama vermelho-clara e as partículas de éter às quais eu agora estava acostumado cortaram o céu noturno e desapareceram.

Olhei rapidamente para baixo e vi que o panda vermelho também já tinha descido.

A nova folha que havia sido criada através de éter estava tremendo.

“Que despedida extravagante.”

Murmurei para mim mesmo.

Foi assim que o fofo panda vermelho e o menino que não era tão fofo quanto o panda vermelho, mas ainda assim era tão bonito quanto um ator mirim, deixaram o Palácio Juliette.

*

Quatro dias depois.

Saí do Palácio da Imperatriz sendo escoltado por Ganael e encontrei Benjamin me esperando.

“Vossa Alteza. A Dama Isabelle de Sarnez solicitou oficialmente uma audiência com você enquanto você estava ausente.”

“Sério?”

Parei no meio do caminho enquanto subia na carruagem.

Como de costume, tive aulas com a Cardeal Aurélie Boutier esta manhã.

Ela, que me deixou exausto enquanto afirmava que “aprender pela experiência é melhor do que pela teoria”, deve ter sentido pena de mim, já que me ofereceu um banquete luxuoso depois da aula.

A Dama de Sarnez deve ter pedido uma audiência enquanto eu estava lidando com a abordagem de recompensa e punição da Cardeal [2].

“O que você disse a ela?”

“Ela disse que gostaria de falar com você esta tarde, então respondi que seria difícil porque sua agenda estava cheia. Não pude dizer que você estava doente porque há muitas pessoas que sabiam que você veio ao Palácio da Imperatriz. Sinto muito.”

“Está tudo bem. Foi uma escolha sábia.”

Acenei com a mão.

A desculpa que ele inventou deve ter sido bem melhor, já que qualquer um seria capaz de perceber que dizer que o príncipe que parecia bem a caminho de sua aula com a Cardeal de repente ficou doente era mentira.

Ganael fez beicinho.

“Não seria estranho rejeitá-la sem motivo, Vossa Alteza. Que rude da parte dela solicitar uma audiência com você no mesmo dia em que ela pediu.”

“Deixa pra lá, Ganael.”

‘Eu não pretendo me encontrar com ela, de qualquer forma.’ Guardei essa parte para mim mesmo enquanto sorria.

Achei um pouco estranho, pois pensei que a carta dela mencionando se encontrar comigo fosse apenas uma saudação.

“Vamos para o templo agora, Vossa Alteza.’’

O cocheiro da carruagem fez uma reverência e me informou nosso destino antes de fechar a porta da carruagem.

Acenei com a cabeça e olhei pela janela.

O sol da tarde estava bem brilhante.

O vasto Palácio da Imperatriz era extremamente belo, com flores e árvores preenchendo a área.

Eu pude perceber que todos estavam ocupados se preparando para o Baile da Primavera que aconteceria em dois dias.

Todos que vi no caminho para o templo pareciam muito ocupados.

Algumas pessoas que carregavam móveis embrulhados em pano branco os largaram e fizeram uma reverência ao ver nossa carruagem.

Enquanto eu silenciosamente respondia a eles…

“Você acha que ela não vai mais voltar?”

Virei-me para Ganael, que parecia um pouco chateado.

Seus olhos cor de mel estavam amuados.

“A estimada besta divina.”

“Hm, provavelmente. Não aconteceu mais nada nos últimos dias.”

Eu respondi a ele.

Sadie e o panda vermelho não apareceram mais desde que deixaram o meu quarto alguns dias atrás.

Imagino que eles devem ter chegado com segurança à ‘Bênção do Mar Azul’.

“É uma coisa boa. É bom que bestas divinas estejam por perto de um item divino.”

Benjamin e Ganael assentiram ao mesmo tempo.

Eu ri ao lembrar o quão decepcionados os dois ficaram depois que eu lhes contei que a besta divina havia deixado o palácio no meio da noite.

“Ouvi dizer que pessoas que ajudam e cuidam de bestas divinas recebem boa sorte e o poder de expulsar maldições. Tenho certeza de que você receberá tais bênçãos também, Vossa Alteza.”

“Haha, só de ouvir isso já me deixa feliz.”

Os cantos da minha boca se curvaram ainda mais depois de ouvir o comentário de Benjamin.

‘Eu me pergunto se conseguirei voltar para casa em segurança se receber boa sorte.’ Não pude deixar de ter esse pensamento.

“As gérberas já floresceram. Os jardineiros devem ter trabalhado muito duro.”

Benjamin apontou para a janela.

Olhei em volta confuso, já que eu não sabia muito bem os nomes das flores, e ele foi gentil o suficiente para mostrá-las para mim.

Eu pude ver as flores alaranjadas que pareciam chamas.

‘……Aquele moleque deve estar bem, certo?’

“Chegamos ao templo, Vossa Alteza.”

A voz de Ganael me tirou dos meus pensamentos.

A carruagem parou e o cocheiro abriu rapidamente a porta.

*

“Então nós esperaremos no escritório do sacerdote, Vossa Alteza.”

“Boa sorte, Vossa Alteza!”

Ganael sorriu brilhantemente enquanto me entregava uma cesta de piquenique.

Ele se recuperou bem rápido depois de ficar de mau humor porque a besta divina não havia retornado.

Acenei para os dois e abri a porta do confessionário antes de entrar.

Coloquei a placa dizendo ‘aceitando confissões agora’ e então sentei na cadeira confortável. Estava tudo em silêncio agora.

Isso me fez pensar que esse era meu novo emprego.

Essa era minha vida transmigrada como um sábio refém diplomático arrogantemente deixado de lado por seu papel de segundo protagonista masculino.

“Eles ainda não consertaram.”

Zombei enquanto olhava para a corda à minha esquerda que ainda tinha a ponta cortada e para a janela de madeira que continuava com um buraco.

Era compreensível que eles não tivessem tido tempo para consertar o templo, já que o Baile da Primavera estava quase chegando.

– Screeeech……

Ouvi um barulho estranho naquele momento.

Não era o som da porta principal ou da porta do escritório do sacerdote se abrindo.

Eu pude ouvir alguém andando do lado de trás do templo. Meus instintos me fizeram prender a respiração.

– Tap, tap, tap……

Consegui ouvir passos que não eram nem muito rápidos nem muito lentos.

Franzi a testa ao ouvir a pessoa vindo da parte de trás do templo sem hesitar.

‘Quem entraria aqui pela porta dos fundos?’

Os rostos de Benjamin, Ganael, da Vice Capitã Élisabeth, da Cardeal e dos guardas que protegiam a entrada flutuavam em minha mente.

Mas não parecia ser nenhum deles.

– Tap.

Fiquei arrepiado. Os passos pararam bem na frente do confessionário em que eu estava.

No momento em que parei de hesitar e liberei meu círculo…

– Clique.

Fiquei completamente perturbado.

A porta do outro lado se abriu e vi uma sombra ir para o assento do penitente.

Me senti extremamente envergonhado.

“Bem-vindo, amado crente. Quando foi sua última confissão?”

Foi por isso que parti para a ofensiva e comecei a falar primeiro.

Tentei fazer parecer que eu havia liberado meu Domínio Sagrado não porque estava com medo, mas pela confissão.

“Não estou aqui para confessar.”

A voz clara de uma mulher ecoou pelo confessionário. Senti meu coração batendo forte por algum motivo.

Era uma voz extremamente encantadora que todos admitiriam soar bem.

“Ouvi dizer que a solicitação de audiência da minha mãe foi rejeitada. Vim aqui pessoalmente para pedir que você, por favor, mude de ideia.”

“……”

Eu pude ver a mulher tirando o manto da cabeça.

O mundo todo parecia estar se movendo em câmera lenta.

Finalmente comecei a culpar os carpinteiros do Palácio Imperial por não consertarem este lugar.

Um lado do rosto dela estava visível através do buraco na janela de madeira.

Seus lindos e ondulados cabelos rosa… Seus olhos azul-acinzentados que brilhavam intensamente…

Era Christelle de Sarnez.

____________

Notas da tradutora:

[1]: “Não pude deixar de rir quando ele fez uma crista de galo do tamanho de um dedo crescer sob suas patas”. A Celosia cristata, comumente conhecida como crista-de-galo, é uma planta ornamental e rústica de fácil reprodução, considerada daninha e invasora de hortas.

[2]: “A Dama de Sarnez deve ter pedido uma audiência enquanto eu estava lidando com a abordagem de recompensa e punição da Cardeal”. Decidi traduzir a expressão ‘carrot and stick’ como o seu sentido real, referindo-se a uma metáfora em que a cenoura seria uma recompensa a ser oferecida por atingir o resultado desejado, e a vara seria a ameaça de uma punição (se não se esforçasse).

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